Quando o Opononente Não é o "Comunismo"

03/04/2020 11:54
E QUANDO O OPONENTE NÃO É O “COMUNISMO”?
John Perkins é um estadunidense que registrou as suas memórias como um assassino
econômico no livro Novas Confissões de um Assassino Econômico, publicado em 2016. Nessas
memórias, estão registradas a estratégia e as táticas usadas pelas grandes corporações
econômicas estadunidenses durante a Guerra Fria para construir o império global dos EUA na
última metade do século XX.
Segundo Perkins, a estratégia sustentou-se na destruição da soberania nacional de países
latino-americanos, africanos e asiáticos por meio de táticas como a construção de dívidas
impagáveis junto às entidades financeiras controladas pelos EUA. Quando algum líder político
de qualquer país manifestava resistência ao imperialismo estadunidense, outras táticas eram
usadas para opor o povo ao líder que sinalizava obstrução ao projeto imperial. Usando
diariamente, durante todo o tempo necessário, os meios de comunicação controlados pelas
elites econômicas conservadoras locais, agentes americanos construíam a queda de tal líder
alegando, entre outras coisas, a sua aproximação com os ideais comunistas da ex-União
Soviética.
As memórias de Perkins ainda denunciam que aqui na América Latina, área de influência
direta do império estadunidense, o “perigo comunista” sempre foi apresentado como o
caminho para o fracasso, a opressão e a infelicidade.
Após muitos anos e décadas marcadas pela construção da psicologia da hostilidade ao
“comunismo”, a população latino-americana foi sequestrada por esse pensamento durante
toda a última metade do século XX, realidade que sustentou a ocorrência de vários golpes
militares nessa parte do continente americano. O golpe militar ocorrido no Brasil em 31 de
março de 1964 deve ser compreendido dentro desse contexto geopolítico mundial.
O fim da União Soviética, em 1991, marcou o início de uma nova era caracterizada pela
hegemonia da propriedade privada, do capitalismo e do império global americano. Isso
justificou o distanciamento do “perigo comunista” dos holofotes latino-americanos e garantiu
a “paz” aos vigilantes gladiadores e defensores do capitalismo.
O modelo de vida capitalista compõe, historicamente, a essência da vida brasileira e
ganhou enorme vigor, especialmente após a redemocratização política por meio de uma série
de privatizações de setores estratégicos para o país.
Apesar da enorme musculatura capitalista brasileira em um momento de hegemonia
absoluta do capitalismo global, muitas pessoas resgataram o “perigo comunista” de uma
ordem geopolítica inexistente desde 1991. Essa parte da população brasileira desenvolveu e
nutriu uma crença intersubjetiva de um oponente dos tempos da Guerra Fria. Para combater o
suposto adversário “comunista”, essa parte da população vestiu a armadura dos gladiadores e
defensores do capitalismo e foi às ruas para travar uma batalha heróica e eleger o seu maior
entusiasta à presidência da República Federativa do Brasil. É bom notar que as duas únicas
armas usadas nesse combate foram a racionalidade e a sensatez.
Desde o início de 2018, o roteiro parecia perfeito para os defensores da propriedade
privada, da meritocracia e do fim do inexistente “comunismo”. Os primeiros quinze meses do
atual governo foram, porém, frustrantes porque o oponente “COMUNISMO” nunca esteve em
cena para ser combatido. O real oponente do atual governo tem sido a própria incapacidade
de lidar com as questões inerentes à economia capitalista. Tal incapacidade tornou-se
extremamente flagrante neste momento em que surge um personagem inusitado e
inesperado: o Novo Corona Vírus.
E agora, o que fazer quando o oponente não é o “comunismo”?
Pedro Everton dos Santos.
02/04/2020