Nova República I parte

09/04/2013 09:52

Nova República

 

  1. “Diretas – Já”

 

O final do governo de Figueiredo foi balançado pelo movimento das diretas – já. De caráter popular e inspiradas pela emenda Dante de Oliveira, deputado pelo PMDB do Mato Grosso, as manifestações reuniram trabalhadores, estudantes, classe média, profissionais liberais, artistas, políticos perseguidos pela ditadura militar, enfim, todos os que apoiavam a volta da democracia e do Estado de direito.

Num palanque armado junto à igreja da Candelária, no Rio de Janeiro, no dia 10 de abril de 1984, 500 mil pessoas aguardavam o início do comício que marcava um clamor popular: eleições diretas para presidente da República. Isso era o início. Em São Paulo, no Vale do Anhamgabaú – centro da cidade – um público maior que o da Candelária, que contava com a presença também de artistas, apresentadores de TV e sindicalistas, gritava: “diretas já”.

A imprensa televisiva, com exceção da Globo, noticiava intensamente as manifestações pró-diretas por todo o Brasil. O movimento cresceu tanto que a própria emissora de Roberto Marinho não tinha como se esquivar da cobertura. O Jornal Nacional poderia cair em descrédito.

Coube ao PDS, cumprindo o seu papel historicamente conservador, frustrar a vontade popular. Esse partido manobrou para que muitos parlamentares não comparecessem à votação da emenda constitucional que restabeleceria eleições diretas para presidência. Para a aprovação da mesma, faltaram 22 votos. Vitória para José Sarney, que liderou a manobra.

A disputa entre os candidatos à presidência se daria dentro do Congresso Nacional. O PMDB, comandado por Ulisses Guimarães, lançou a candidatura de Tancredo Neves a qual tinha o apoio do ex-presidente do PDS, José Sarney. Demonstrando entender bem da “dinâmica política”, Sarney comandou a formação de uma dissidência do PDS que deu origem ao PFL. Era a formação da Frente Liberal. Com esse artifício, foi possível compor uma chapa encabeçada pelo moderado Tancredo e apoiada pelos antigos setores da base de apoio do regime militar. Tendo Tancredo como candidato à presidência e Sarney como vice, foi fácil a vitória contra Paulo Maluf, que havia derrotado Mário Andreazza na convenção do PDS e era o preferido de Figueiredo. O PT se recusou a participar das eleições indiretas.

 

  1. A frustração e o governo de Sarney

 

Tancredo Neves, há 50 anos na vida pública, começara como vereador, em São João del Rey, Minas Gerais. Foi ministro da justiça de Getúlio Vargas e primeiro-ministro no parlamentarismo em 1962. Eleito presidente, não chegou a governar. Acometido de uma grave doença, fez sete cirurgias e não resistiu. A notícia de sua morte comoveu o país.

Com a morte de Tancredo, assumiu o ex-senador da Arena e do PDS e opositor do movimento das diretas já, José Sarney. A transição foi comandada por tradicionais políticos moderados de oposição, como Ulisses Guimarães,e por políticos com serviços prestados à ditadura militar, como o próprio Sarney e Marco Maciel, senador pernambucano.

A conjuntura não era favorável ao novo governo. Os problemas estruturais remontam à República das Oligarquias. O Brasil era governado pelas elites e para as elites. Os latifúndios improdutivos e a concentração de renda e de riquezas sempre se fizeram presentes na História deste país. Com a crise do “milagre econômico”, foram agravados problemas como: a elevação da dívida externa, o crescimento da inflação, a concentração de renda, o desemprego e a miséria. Os governos militares fizeram o “bolo crescer” e não o dividiram.

Após nove meses de governo (fevereiro de 1986), Sarney anunciava um plano econômico heterodoxo. O objetivo era promover um “choque econômico”, instituindo uma nova moeda (cruzado), congelando preços e determinando que os salários só fossem reajustados quando a inflação chagasse a 20 % ao mês (“gatilho salarial”). Dílson Funaro, ministro de Fazenda e empresário paulista, foi ajudado por uma equipe de jovens economistas das universidades de São Paulo, de Campinas e do Rio de Janeiro. O objetivo principal dos autores do plano era conter a inflação. Ainda sob um clima de renovação, o povo embarcou na idéia do cruzado. A imprensa convocava os fiscais e as fiscais de Sarney. As principais armas da população eram a tabela e o telefone da SUNAB (Superintendência Nacional de Abastecimento e Preços). Será que era possível vencer a inflação com planos milagrosos e por decreto?

Nos primeiros meses, a inflação foi reduzida a 1% ao mês. O consumo aumentava e o emprego também. O presidente, acreditando no sucesso do seu governo, passava a cuidar da sua imagem. Criou o “Memorial Sarney” e articulava a prorrogação do seu mandato. O plano econômico começava a ter problemas. Industriais, fazendeiros, pecuaristas e comerciantes, pressionavam e conseguiam, gradativamente, aumentar os preços. Comerciantes de automóveis e de eletrodomésticos praticavam o ágio (taxas adicionais). Além desses problemas, alguns produtos começavam a faltar nas prateleiras dos supermercados. A situação era grave: os juros aumentavam, o governo gastava muito com as importações para suprir o mercado interno (carne, trigo, leite em pó e outros), ocorriam reajustes salariais de algumas categorias profissionais...

A oposição ao plano aumentava. Os liberais criticavam a intervenção no mercado, principalmente o congelamento de preços. Os nacionalistas e as esquerdas, em geral simpáticos ao congelamento, reivindicavam a reforma agrária, dentre outras medidas de caráter estrutural.

A idéia de que a estabilização econômica proporcionaria condições ideais para a realização das reformas necessárias caiu por terra. Aos poucos, a inflação começava a se elevar, as exportações davam sinais de fraqueza e o Brasil começava a perder suas reservas cambiais. Em 1987, o ministro Dílson Funaro declarou a moratória.

Mesmo com as dificuldades aparentes, o PMDB (partido de Sarney) conseguiu fazer todos os governadores nas eleições de 1986 , com exceção de Sergipe. Elegeu, também, 54% do Legislativo Federal, mantendo a maioria no Congresso Nacional. Em Sergipe, foi eleito Antônio Carlos Valadares (PFL), com o apoio incondicional de João Alves e Jackson Barreto, então prefeito de Aracaju. Dessa coligação, ainda participaram o PCB e o PC do B.

Por problemas de saúde, Dílson Funaro passou o Ministério da Fazenda para Luiz Carlos Bresser Pereira. Autor do “Plano Bresser” congelou os preços por dois meses, aumentou tarifas de serviços públicos e impostos e extinguiu o “gatilho salarial”, mecanismo que acionava os reajustes salariais sempre que a inflação atingisse dois dígitos (20%).

O desgaste do governo se refletia nas eleições municipais. As oposições venceram em importantes capitais, como em São Paulo, Porto Alegre, Rio e Belo Horizonte, onde foram eleitos, respectivamente, Luiza Erundina e Olívio Dutra, ambos do PT, Marcello Alencar do PDT e Eduardo Azeredo do PSDB. A inflação já atingia 30% ao mês.

Em 1989, o FMI pressionava o governo e a crise se acentuava. Já com o cruzado novo (moeda recém-criada que cortava os três zeros que a inflação acrescentara ao cruzado) e com o congelamento de preços de apenas alguns produtos, o novo ministro da Fazenda de Sarney, Maílson da Nóbrega, lançava o “Plano Verão”: abertura ao mercado externo, privatização das estatais e corte nos gastos públicos.

O governo de Sarney mergulhava numa crise sem precedentes. A inflação, que o governo pretendia zerar, alcançava, em 1990, 84%. Restava apostar na elaboração de uma nova Constituição.

Empossado em 1º de fevereiro de 1987, o Congresso Constituinte apresentava muitas restrições, como: 23 constituintes biônicos que ainda exerciam o cargo de senador; falhas nos critérios de representatividade, gerando uma questionável proporcionalidade entre a população dos estados e dos territórios e o número de seus representantes na Constituinte; grande influência do poder econômico; relativo esvaziamento da eleição para o Congresso Constituinte, pois esta foi realizada simultaneamente com a eleição dos governadores; desigualdade na distribuição do tempo, entre os partidos, para propaganda política pelo rádio e pela televisão. A essência do Congresso era conservadora, o que não impediu a possibilidade de apresentação de propostas populares à elaboração constitucional. Quinze milhões de eleitores assinaram mais de 50 emendas populares ao texto básico.

Promulgada em outubro de 1988, a nova Constituição estabelecia princípios importantes da democracia representativa ao confirmar, em seu art. 1º que “todo poder emana do povo, que o exerce através dos seus representantes ou diretamente, na forma da lei”. O Brasil continuaria a ser uma República presidencialista, mas fixava-se um plebiscito para 1993 o qual decidiria o sistema de governo (presidencialismo ou parlamentarismo) e a forma de governo (república ou monarquia). Assegurava-se a propriedade privada e o liberalismo econômico, embora houvesse a ressalva quanto à “função social da propriedade”. As Forças Armadas poderiam ainda garantir a ordem interna, desde que solicitadas pelos poderes constituídos. Os trabalhadores, especialmente urbanos, consolidaram algumas conquistas, como a jornada semanal de 44 horas de trabalho, a aposentadoria por tempo de serviço, a liberdade de organização sindical, o amplo direito de greve e a indenização para demissões sem justa causa. Um capítulo foi dedicado aos índios, tratava do respeito às suas terras, cultura e tradições. A participação popular era garantida através das eleições diretas ou com a possibilidade de apresentar projetos de lei. A esse documento deu-se o nome de “Constituição Cidadã”.

Mesmo com toda a propaganda positiva sobre a “Constituição Cidadã”, ela não rompeu com a tradição brasileira de constantes mudanças nas leis. A partir de uma tentativa tumultuada, em 1994, a revisão constitucional não ocorreu. Disputas partidárias inviabilizaram o processo. Algumas das principais propostas de reforma da Constituição foram: toda empresa estrangeira, sediada no Brasil, seria considerada empresa brasileira; quebra da reserva de mercado concedida às empresas estatais de telecomunicações, valendo também para o monopólio da exploração e refino do petróleo; reforma fiscal ou tributária; reforma previdenciária.