Ficaremos sem renda e morreremos de fome após o covid-19?

20/05/2020 16:27

FICAREMOS SEM RENDA E MORREREMOS DE FOME DURANTE A PANDEMIA DO COVID-19?


Neste momento, precisamos de um pouco, somente de um pouco de honestidade nas discussões feitas acerca do funcionamento da economia real e da economia monetária. Este não é o momento para continuarmos cultivando o egoísmo e alimentando a incerteza, o medo e o pânico. Precisamos ser transparentes e reconhecer que a cooperação sempre foi um produto da necessidade de preservação da espécie humana e não produto de afetos. O combate à pandemia do COVID-19 deve ser visto dentro desse contexto de cooperação, já que o vírus não restringirá a sua ação a um grupo social específico. Além disso, as estruturas do sistema de saúde, não importa a natureza pública ou privada, não suportará as demandas caso não optemos pela cooperação. 


Para você entender claramente o que eu quero dizer, vou trazer algumas reflexões que fiz no texto RIQUEZA: O QUE É, QUEM GERA E QUEM SE APROPRIA, que está disponível no site história-e-cotidiano (https://m.historia-e-cotidiano.webnode.com/news/riqueza-o-que-e-quem-gera-e-quem-se-apropria/). Neste texto, pretendi apresentar a economia real como ela é, insinuando que a economia monetária (o dinheiro) é um artifício desenvolvido pelo Ser Humano para facilitar as trocas e, mais ainda, um artifício para que alguns se apropriem da riqueza concreta ou dos produtos (ou economia real) gerados pelo trabalho de muitos. 


A economia real (ou a riqueza concreta) é o resultado exclusivo do trabalho das pessoas empregadas nas atividades agropecuárias, extrativistas e industriais. São essas as atividades que nos oferecem os produtos (a riqueza concreta) de uso prático necessários ao nosso dia a dia e que, portanto, permitem a nossa subsistência. Como também insinuei no mesmo texto, a produção do conhecimento assume um papel decisivo para o desenvolvimento de meios que permitem o aumento da produtividade nas três atividades que citei ali, acima. Da mesma forma, indiquei a importância do comércio e do setor da prestação de serviços como extensões da economia real. É notável, portanto, que a preservação da vida humana depende exclusivamente da economia real e não da economia monetária. Óbvio que estou simplificando para você entender o momento que estamos vivendo agora.


A economia monetária (a moeda ou o dinheiro) passou a ganhar importância crescente a partir do século VII antes de Cristo na Lídia, que se situava no território da atual Turquia. A partir dali, o ouro e a prata passaram a atuar como moedas (dinheiro) que simbolizavam a riqueza concreta ou a economia real, isto é, as moedas assumiram valor enquanto instrumento usado para a realização das trocas e a obtenção de produtos que possuíssem valor de uso prático que, obviamente, permitissem a subsistência dos grupos humanos. Como mencionei no texto RIQUEZA: O QUE É, QUEM GERA E QUEM SE APROPRIA, a moeda só tem valor dentro de uma crença intersubjetiva que é assegurada pelo Estado. Compreenda o Estado também como outro produto da crença intersubjetiva, que se mantém viva e vigorosa por meio do uso da força por parte daqueles que controlam essa instituição, a qual se configura na forma de um conjunto de regras que garantem e dirigem a vida em comunidade.


Ainda no mesmo texto, sugeri que deve haver relativa equivalência entre a quantidade de riqueza concreta e a sua representação simbólica (a moeda ou o dinheiro). Quando a quantidade de moeda está muito acima da quantidade de produtos disponíveis, ocorre a inflação que se manifesta através da desvalorização da moeda. Quando, por outro lado, a quantidade de produtos é muito superior à quantidade de moeda disponível, ocorre a deflação que se manifesta por meio da desvalorização monetária dos produtos. Essas duas realidades são percebidas como problemáticas, por isso o planejamento para o funcionamento da economia deve estar pautado no princípio da cooperação. Obviamente, sem ingenuidade nenhuma e considerando a existência de um Estado burguês, que exerce domínio absoluto no Brasil e em quase todos os países do mundo, devemos reconhecer que o princípio da cooperação se funda não na igualdade de acesso às riquezas, mas na cooperação que assegura privilégios de acesso às riquezas para uma minoria, a elite econômica. Quando não há relativa equivalência entre a quantidade de riqueza concreta (os produtos) e a sua representação simbólica (a moeda ou dinheiro), o planejamento para o funcionamento da economia está mal elaborado, e não importa a razão desse péssimo planejamento. 


A representação simbólica da riqueza concreta por muito tempo foi a prata e, especialmente, o ouro, que tinham que ser localizados na natureza. Localizar e extrair tais recursos exigia tempo, o que poderia gerar desequilíbrio entre a quantidade de riqueza concreta gerada e a quantidade de riqueza simbólica conseguida. A possibilidade de preservar a harmonia ou o equilíbrio entre as quantidades de riqueza concreta e sua representação simbólica surgiu recentemente com a substituição da prata e do ouro pelo papel moeda produzido a partir de matéria-prima obtida mais facilmente. Cada país tem autonomia para emitir ou produzir o seu papel moeda ou a sua representação simbólica da riqueza concreta que produz. Como vivemos, atualmente, em um cenário de economia global baseada no princípio de cooperação do Estado burguês (capitalista), o valor de cada moeda nacional é, também, produto de crença intersubjetiva que valoriza uma em detrimento de outra. A aceitação e a preservação de tal crença baseiam-se no uso da força aplicada por alguns Estados Nacionais sobre outros e no desejo que alguns representantes de Estados Nacionais cultivam de submeterem-se a outros.


Bom! Ditas e entendidas essas coisas, podemos agora entender o cenário econômico exposto pela pandemia do COVID-19. No Brasil e no mundo, durante esse período de pandemia, a quantidade da riqueza concreta (produtos) não diminuiu. Não há uma geladeira a menos. Não há nenhum bem de consumo a menos no mundo. Se lembrarmos das riquezas ou produtos que usamos diariamente em nossa alimentação, também não há quantidade menor porque a cadeia produtiva alimentar permanece em atividade. Além disso, a relativa paralisia econômica é fruto de planejamento exigido para a desaceleração da pandemia do COVID-19 e não produto da destruição das estruturas produtivas. Portanto, não morreremos de fome. O dinheiro (a riqueza simbólica) está em quantidade, no mínimo, idêntica àquela que havia antes do início da pandemia. Assim, não ficaremos sem dinheiro ou sem renda. 


Considerando o Estado e a sociedade burgueses em condições "normais", a riqueza concreta e a sua representação simbólica (o dinheiro) estão concentradas em poder da elite econômica. Para que haja o aumento da produção da riqueza concreta (e, naturalmente, da sua representação simbólica), esta deve circular em uma medida e na direção que permitam a reprodução do Estado e da sociedade burgueses. Esse mecanismo de funcionamento é tão encantador que faz cada indivíduo crer na possibilidade de um dia se apropriar, por meio exclusivamente do trabalho, de uma grande quantidade de riqueza que lhe permita alcançar a tão desejada e suposta "felicidade".


Para entender a razão pela qual não ficaremos sem renda e, consequentemente, sem alimento, voltemos à questão que nos interessa: o Estado e a sociedade burgueses só sobrevivem em função da riqueza concreta gerada pelo trabalho, o qual deve ser preservado para atender às demandas de usura da elite econômica. A política de distanciamento social agora conduzida pelo Estado burguês representado por figuras políticas minimamente inteligentes pretende preservar o trabalho, pois sem ele não há geração de riqueza. Negligenciar a necessidade de adoção de distanciamento social para desacelerar a pandemia do COVID-19 é o mesmo que criar um problema de "desordem" social imensurável. Tanto é assim que a paralisia planejada pelo Estado burguês não foi estendida para todas as atividades econômicas, mas apenas para aquelas consideradas não essenciais. A paralisia econômica de algumas atividades é planejada e visa manter inalterada a realidade da sociedade burguesa.


Outra coisa que nos interessa para encaminharmos a conclusão desse pensamento, é que, no atual estágio do desenvolvimento do Estado burguês, os bancos e outras instituições financeiras assumiram hegemonia econômica e política adotando a função de "guardar" e "gerir" a riqueza simbólica ou o dinheiro do conjunto da população. Para gerir a riqueza simbólica obtida por indivíduos através do trabalho, os bancos e as outras instituições financeiras cobram um valor monetário muito alto. As instituições financeiras não geram riqueza concreta nenhuma, mas controlam o Estado burguês e, por isso, acabam se apropriando e concentrando a riqueza concreta. Como essa é uma história longa, vamos deixá-la de lado. 

Veja agora porque não ficaremos sem renda e, consequentemente, sem alimento! A quantidade de riqueza concreta está no mesmo nível em que se encontrava no memento anterior à paralisia (planejada) de algumas atividades econômicas produtivas e improdutivas. No mínimo, a quantidade de dinheiro também está no mesmo nível em que se encontrava no memento anterior à pandemia do COVID-19. Ou seja, aquele relativo equilíbrio entre o volume de riqueza concreta e sua representação simbólica permanece. Claro que na sociedade burguesa, a riqueza concreta e a sua representação simbólica estão concentradas sob o poder da elite econômica, representada essencialmente pelo setor financeiro. A pandemia será superada, a economia burguesa ou capitalista reencontrará a sua estabilidade e o sistema financeiro sairá muito mais fortalecido.


Veja porque o sistema financeiro sairá robustecido dessa crise em que nos encontramos! Já sabemos que o dinheiro (ou a representação simbólica da riqueza) está "guardado" e é "gerido" pelo sistema financeiro. Como vivemos em uma sociedade estruturada em imensas desigualdades de controle de riqueza (produtos) e de renda (dinheiro) que precisam ser cultivadas, o Estado burguês assume o compromisso de assegurar renda às pessoas durante a pandemia do COVID-19 por meio de dívida contraída junto ao setor financeiro. Essa dívida, que aumenta em função da adição de taxas de juros nada generosas, será paga pelo mesmo Estado burguês que obterá recursos através da carga tributária, que é sustentada pelo trabalho de cada indivíduo, já que a principal fonte de arrecadação de tributos é o consumo realizado por cada pessoa. O auxílio financeiro concedido pelo governo central aos governos estaduais e municipais para que estes continuem pagando salários aos servidores públicos tem origem nos mesmos empréstimos tomados às mesmas instituições financeiras. No final das contas, o dinheiro que está sob "guarda" e "gestão" do setor financeiro será destinado ao auxílio a pessoas, a estados e a municípios, mas voltará para o mesmo setor financeiro em volume imensamente superior devido ao pagamento das altas taxas de juros. 


Não ficaremos sem renda e não ficaremos sem alimento e as estruturas da sociedade e do Estado burgueses permanecerão as mesmas. A riqueza e a renda continuarão distribuídas de maneira absolutamente desigual como estavam antes da pandemia. Ah! Outra coisa: "crise econômica" nos moldes da sociedade e do Estado burgueses é nada além da vontade de continuar ampliando as desigualdades de acesso à riqueza e à renda. E mais! As "crises" são sempre anunciadas pela burguesia (ou elite econômica) como uma estratégia para se apropriar de uma quantidade maior de riqueza gerada pelo trabalho e para se apropriar da riqueza social que é apropriada pelo Estado por meio de tributos. 


Para encerrar! Você pode estar duvidando da simplicidade como as coisas foram postas neste texto. Você tem todo o direito de duvidar! Mas, da mesma forma, você tem todo o direito de duvidar da complexidade atribuída às questões econômicas postas e impostas pelos "grandes economistas" que estão sempre a serviço de uma classe social. Você talvez não integre essa classe social que, por meio da sua elite intelectual e dos seus meios de comunicação de massa, elabora e propaga o pensamento econômico.  Se integrar, siga sendo muito feliz! Se não integrar, é bom começar a refletir sobre tudo o que foi dito aqui! 


Até a próxima!


                                                                                                                                  Pedro Everton dos Santos.