Fernando Collor

21/10/2014 08:36

O ano de 1989 marcou o Brasil. A possibilidade de eleger o presidente da República motivou o povo brasileiro. Depois de 29 anos sem exercer esse direito, o eleitor renascia, ou nascia votando pela primeira vez.
A prática política requer olhos abertos e vivência dentro de um processo eleitoral. Para Collor, um candidato "relâmpago" e lançado pela mídia, não foi impossível usar métodos espúrios para afastar o seu principal concorrente (a Constituição garantia eleição em dois turnos) e iludir uma parte considerável do eleitorado.

Collor utilizou uma réplica da campanha eleitoral de Jânio Quadros. Prometia caçar corruptos, marajás. Não
foi difícil promover reportagens sobres suas "realizações" em Alagoas. A revista Veja, por exemplo, divulgou reportagens especiais sobre esse estado e os "magníficos" feitos desse candidato jovem e esportista. Coube à Globo um amplo apoio à sua candidatura já que Mário Covas, candidato do PSDB, não decolava nas pesquisas eleitorais.

Vendia-se a imagem de um candidato jovem e bonito. Um montante considerável de capital foi aplicado em
sua campanha. Sem escrúpulos, mas persistente, Collor costumava agradar Roberto Marinho dando-lhe lagostins de presente. Fazia de tudo para conseguir se aproximar do homem mais poderoso da imprensa brasileira. Conseguindo contato direto com Alberico Souza Cruz (diretor de telejornalismo da Globo), Collor
explicou como combatia os marajás no seu estado e se ofereceu para descobrir quantos parentes do ex-governador Divaldo Suruagy (Alagoas) estavam empregados na administração pública. O resultado do encontro surtiu um bom efeito para Collor. Foi ao ar um Globo Repórter sobre o assunto.

Os principais candidatos à presidência eram: Ulisses Guimarães (PMDB), Aureliano Chaves (PFL), Paulo Maluf
(PDS), Leonel Brizola (PDT), Mário Covas (PSDB), Roberto Freire (PCB), Luiz Inácio Lula da Silva, pela Frente Brasil Popular (PT, PC do B) e Fernando Collor (PRN). Collor, filho e neto de políticos tradicionais de Alagoas,
disputaria o 2º turno com Lula, metalúrgico e deputado constituinte por São Paulo.

Na Segunda etapa, Lula conseguiu o apoio, na fase final, do PSDB, PDT e do PCB. Os partidos conservadores seguiram o caminho de Collor. Vale lembrar que, atualmente, o PSDB permanece com alianças extremamente conservadoras, como exemplo sua ligação com o DEM, antigo PFL.

Em termos de dinheiro para a campanha, a disputa era extremamente desigual. Mesmo assim, Lula, embalado por um refrão que surgiu por acaso e que contagiava até crianças, lotava os comícios e pregava a diminuição das desigualdades sociais. Como faltava dinheiro para a sua campanha, a criatividade foi responsável por mantê-lo na disputa. Collor teve desentendimentos terríveis com a sua caríssima equipe de propaganda. Falava-se, nos bastidores, que ele tinha chegado a quebrar equipamentos de um estúdio de gravação.

A intensa disputa levou a Globo a colocar no ar, cinco dias antes da eleição, uma edição dos melhores
momentos do último debate francamente favorável a Collor.

Em Sergipe, os dados apontam para Collor como o novo presidente do Brasil. O senador Albano Franco comemora: "Collor recupera o Brasil" (Gazeta de Sergipe, 19/12/1989). Albano animava-se para disputar o governo do estado. Ainda em 1989, o governo Sarney, tendo João Alves como ministro do interior, paralisa as
obras em Xingó. Dos cinco mil operários, só 35 permanecem no canteiro de obras (Gazeta de Sergipe, 24/12/1989). Como de costume, Albano Franco "mudou de idéia" e disse não ser mais candidato ao governo. João Alves, em 1990, elegeu-se governador de Sergipe e Albano Franco foi reeleito senador.

Logo depois de tomar posse, Collor declarou: "só tenho uma bala no revólver para matar o tigre da inflação". O presidente errou o tiro e o seu governo foi um desastre.

No primeiro dia de mandato, em 15 de março de 1990, a ministra da Fazenda, Zélia Cardoso de Mello, lançou
um "pacote econômico" (Plano Collor): a volta do cruzeiro em lugar do cruzado novo, sem cortar nenhum zero; bloqueio dos depósitos que ultrapassassem 50 mil cruzados novos em todas as contas correntes existentes nos bancos, e permissão de uso de apenas 20% dos depósitos nas contas da caderneta de poupança e demais aplicações financeiras (ou Ncz$ 25.000,00, o que fosse maior). Do total de US$ 120 bilhões que havia nessas
contas em todo o país, o governo "sequestrou" US$ 95 bilhões, isto é, quase 2/3 do meio circulante. A devolução do dinheiro aconteceria em 12 parcelas mensais, após 18 meses. O arrependimento dos eleitores começou cedo. Além disso, o pacote ainda determinava o tabelamento dos preços dos principais gêneros de
consumo; os salários de março ainda seriam corrigidos pela inflação de fevereiro, que atingira a casa dos 73%, mas os salários de abril não seriam corrigidos, apesar da inflação ter chegado a 84% em março de 1990. Os índices de reajustes passariam a ser pré-fixados.

A reforma administrativa colocou milhares de funcionários públicos em disponibilidade. Foram extintos onze ministérios, oito fundações, oito sociedades de economia mista (como a Embrafilme), cinco autarquias e três empresas públicas. Carros, aviões e imóveis foram leiloados. A Presidência da República, entretanto, crescia com a criação de novas secretarias.

As mudanças aguardadas não vinham. O Brasil continuava ameaçado pela inflação (20% ao mês, em dezembro de 1990), o mercado interno não crescia, os salários continuavam baixos e a extinção de órgãos estatais reduziam a capacidade de atuação do poder público no campo social.

Collor precisava melhorar a sua pontaria. O tiro contra a inflação era uma bala perdida. Em fevereiro de
1991 foi posto em prática o Plano Collor II que congelou salários e pré-fixou juros. O ímpeto do governo começava a diminuir. Marcílio Marques Moreira assumiu o lugar de Zélia Cardoso e prometeu uma política econômica sem "choques". Era a vitória da inflação.

Além da derrota no campo econômico, ainda viriam golpes mais certeiros que derrubariam o caçador de
marajás, aquele presidente que aparecia em público com punhos cerrados, ar de vencedor e discurso firme de protetor dos descamisados. As denúncias de corrupção envolvendo familiares, ministros e amigos do presidente resultaram, aí sim, num tiro preciso.

As denúncias, já no segundo ano do seu governo, eram contra os ministros da Previdência Social, Antônio Rogério Magri (ex-sindicalista) e da saúde, Alceni Guerra. Foram exonerados após denúncias de mal uso do dinheiro público e corrupção. A primeira dama e presidente da LBA (Legião Brasileira de Assistência) era acusada de desviar para fins ilícitos, inclusive para benefício próprio, recursos da entidade. Outra denúncia envolvia o cunhado de Collor e secretário-geral da Presidência, Marcos Coimbra. O mesmo teria pressionado o ex-presidente da Petrobrás, Luiz Otávio da Motta Veiga, para que facilitasse empréstimos a VASP, empresa recém-privatizada.

A crise iria tornar-se insolúvel para Collor quando as denúncias feitas pelo seu irmão, Pedro Collor, foram publicadas na revista Veja, em maio de 1992. Motivado por uma forte insatisfação familiar, gerada pela compra de um novo jornal e doze emissoras de rádio por Fernando Collor e Paulo César Farias, Pedro sentiu-se traído. Era ele quem dirigia as Organizações Arnon de Mello, e o novo jornal de PC Farias passaria a concorrer com o da família Collor de Mello. Em suas denúncias, Pedro afirmava: "PC Farias é o testa de ferro do Fernando, faz negócios de acordo com ele e diz que o que ganha a mais vai 70% para o Fernando e 30% para ele". Ainda
afirmou que, em troca das isenções de cobrança do ICM, usineiros alagoanos custearam a campanha eleitoral de Fernando Collor - "No segundo turno juntou-se perto de cem milhões de dólares. PC arrecadava o dinheiro, embolsava e solicitava a outros empresários que pagassem as contas da campanha. Contabilizava como se
tivesse gasto tudo. E isso é pouco diante do volume de dinheiro que ele está arrecadando agora como traficante de influência".

A partir das denúncias, foi instaurada uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito). O senador Amir Lando
(PMDB) e o deputado Benito Gama (PFL) foram, respectivamente, presidente e relator da mesma. Neste ponto, vale uma ressalva: o PFL tinha o relator, homem politicamente formado à sombra de Antônio Carlos Magalhães, o cacique baiano que era contra a CPI. Era, claramente, uma jogada política.

As denúncias abasteciam a Comissão. Eriberto França, um motorista, contou que depositava valores
consideráveis em contas de pessoas ligadas a PC e Collor - eram contas "fantasmas". O dinheiro dessas contas servia para bancar os gastos adicionais do presidente e da sua família.

Antônio Carlos Magalhães, pouco afeito à democracia e fazendo pouco caso do Legislativo, afirmava: "quem
disser que o impeachment é possível está mentindo para o povo. Ele tem 103 anos e nunca foi feito. É uma farsa que nem foi regulamentada". Collor, por sua  vez, esbravejava: "é uma pocilga, cheia de porcos que chafurdam na lama".

Essas reações não impediam os trabalhos da CPI. Até uma estranha "Operação Paraguai", onde teriam sido
aplicados US$ 5 milhões de "sobras de campanha", conforme depoimento à CPI de Cláudio Vieira, secretário particular de Collor, foi investigada.

Não bastando as denúncias, Collor ajudou a cavar a própria sepultura. No início do seu mandato, ocorreram
mudanças das regras bancárias: os cheques não podiam ser ao portador. A obrigatoriedade dos cheques nominais terminou ajudando às próprias investigações da CPI, sendo possível examinar os cheques que foram emitidos por funcionários de PC Farias e recebidos pelo presidente.

 As nomeações de Collor foram desastrosas. Cláudio Humberto, secretário de imprensa, oriundo de Alagoas, demonstrava irritação e ofensividade no trato com a imprensa.

Demonstrando desequilíbrio, Collor convocou a população para que todos saíssem de verde-amarelo em apoio ao governo. Em resposta aos apelos do presidente, a população saiu de luto, em sinal de protesto.

Collor, com seu temperamento explosivo, não teve habilidade para lidar com o Congresso nem com a imprensa. A Globo, provavelmente preocupada com a concorrência, teve que cobrir as denúncias contra o presidente cuja imagem passava a ser sinônimo de corrupção. A intensidade das notícias e a má repercussão dos fatos, com certeza, levaram políticos direitistas a se colocarem contrários a Collor. Era o medo das urnas.

Anteriormente, ao contrário do Fernando das Alagoas, Sarney saiu ileso de uma moção para o seu impeachment, demonstrando habilidade com os seus protegidos e com a imprensa. No seu caso, havia denúncias de favoritismo na construção da ferrovia Norte-Sul: um imenso e mal planejado projeto que visava a atender interesses políticos. Essas denúncias, com claros indícios de corrupção, não tiveram o mesmo impacto que as que recaíam sobre os ombros de Collor. Em relação a Sarney, não se conseguiu provar corrupção pessoal.

No final de agosto, a CPI aprovou o relatório do senador Amir Lando que encaminhava o processo de
impeachment. Faltava o mesmo ser aprovado por 2/3 dos 503 deputados federais. Para pressionar os parlamentares, o povo ia às ruas exigir a saída de Collor. Era o movimento dos "caras pintadas". Duas importantes entidades da sociedade civil, a ABI e a OAB, através de seus respectivos presidentes, Barbosa Lima Sobrinho e Marcelo Lavenère, formalizaram o pedido de impeachment do presidente.

No dia 29 de dezembro de 1992, Collor renunciou ao cargo para evitar a humilhação da condenação
política. Não adiantou, teve os seus direitos políticos suspensos por oito anos.

Dois anos após seu breve governo, Collor encontrava-se esquiando nos EUA, após ser absolvido pelo STF (5
votos contra 3), do crime de corrupção passiva, "por falta de provas". Paulo César Farias cumpria pena de oito anos de prisão em regime semi-aberto, em Maceió, e Pedro Collor, aos 42 anos, morria com câncer no cérebro.