Evangélicos e Política Partidária

09/04/2013 09:40

Evangélicos e Política Partidária

 

A política partidária nas últimas décadas tem sido influenciada pelo fortalecimento da participação evangélica. Esse fortalecimento - segundo Ricardo Mariano, em seu artigo Pentecostais e Política no Brasil (www.comciencia.br/reportagens/2005/05/13.shtml) – foi favorecido pela consolidação da liberdade religiosa, pelo enfraquecimento do poder religioso da Igreja Católica e pela redemocratização do Brasil.

De acordo com as estatísticas oficiais, a Igreja católica vem perdendo uma parte considerável dos seus fiéis: em 1980, 88% da população se declaravam católicas, em 1991 eram 83,3% e, em 2000, chegou-se a 73,9%. Por sua vez, o fortalecimento do pentecostalismo, segundo Regina Novaes em seu artigo Milagres da Multiplicação de Votos (diplo.uol.com.br), deu-se nas periferias dos grandes centros e nas fronteiras agrícolas, regiões abandonadas pelo poder público. As promessas de curas e de melhorias das condições materiais teriam “seduzido” as camadas populares. Ainda segundo Regina Novaes, “apesar de uma crescente presença de camadas de classe média entre os evangélicos, quando se considera a renda e a escolaridade do rebanho pentecostal podemos dizer que se trata de uma religião de pobres entre os quais a conversão promove ganhos materiais e simbólicos advindos de novos laços sociais e de um novo sentido para viver e recomeçar a vida”. Visando à conversão de fiéis pertencentes às classes não populares da sociedade, as igrejas neopentecostais têm flexibilizado o ascetismo verificado nas igrejas pentecostais tradicionais.

O crescimento do número de evangélicos tem sido significativo a partir do regime militar. Até então, a Igreja Católica mantinha ligações fortes com o poder político institucionalizado. O fato de a Igreja Católica ter rompido com a ditadura militar fez com que os governantes desse período buscassem outras bases de apoio. Além disso, entre muitos líderes evangélicos, reinava a ideia do anticomunismo. Em meados da década de 1980, os evangélicos formaram sua bancada na Constituinte. O lema era “irmão vota em irmão”. Esse passo mais significativo para o campo da política partidária teria sido motivado por uma “estratégia de defesa”. As cúpulas eclesiásticas, principalmente da Assembleia de Deus, argumentavam que os católicos pretendiam assegurar e ampliar privilégios para si na nova Constituição. A ideia do anticomunismo também foi trabalhada na eleição presidencial de 1989 com o objetivo de enfraquecer a candidatura de Lula (PT), até então identificado como um perigoso líder popular em decorrência da sua origem no sindicalismo, e favorecer o seu opositor Collor (PRN), mais identificado com os setores burgueses da sociedade. Simone R. Bohn, em seu artigo Evangélicos no Brasil (Opinião Pública, Campinas, vol. X, nº 2, outubro, 2004, p. 288-338), lembra que Pierucci e Mariano (1992) argumentam que o apoio a Collor decorreu do receio das lideranças evangélicas em relação a dois possíveis cenários: a implantação de um “comunismo ateu”, numa eventual vitória de Lula, ou a retomada da proeminência da Igreja Católica. Além da participação no Congresso Nacional, os evangélicos vêm disputando cargos majoritários. Tivemos como exemplos as candidaturas de Francisco Rossi, Benedita da Silva, Marcelo Crivella (atual ministro da pesca do governo Dilma), Anthony e Rosinha Garotinho. Em Sergipe, o Pastor Virgínio, da Assembleia de Deus foi eleito primeiro suplente da senadora Maria do Carmo Alves (então PFL) nas eleições de 2006. Esse fato é um exemplo do clientelismo tratado por alguns autores: Pastor Virgínio apoiou João Alves (então PFL), marido de Maria do Carmo e candidato derrotado ao governo estadual (2006), e ganhou, em troca, a suplência ao Senado.

Um argumento trabalhado por Regina Novaes é o grau de exposição dos fiéis às autoridades religiosas. Seria, segundo a autora, uma forma de identificar o grau de religiosidade. Os evangélicos participam muito mais intensamente dos cultos. De todos os segmentos evangélicos, os fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus são os mais assíduos. Além da presença nos cultos religiosos, vale destacar o poder dos meios de comunicação de massa. Na busca por fiéis, a proliferação de programas de televisão comandados principalmente pelos grupos neopentecostais é um instrumento importante e significativo para a disputa pelo mercado religioso. Um outro ponto em relação aos meios de comunicação é sobre a capacidade de informação dos fiéis. Regina Novaes trabalha a exposição à imprensa para detectar os níveis de sofisticação política. Segundo os dados levantados em seu trabalho, 32% dos evangélicos não estão expostos nem aos jornais e nem aos telejornais nacionais. Ari Pedro Oro (FFLCH-USP, 2001. ORO, Ari Pedro. Avanço Pentecostal e Reação Católica, p. 56) observa ainda que “se por um lado, o neopentecostalismo se apresenta como liberal nos usos e costumes, bem como na utilização de recursos tecnológicos modernos (sobretudo no uso dos meios de comunicação de massa), por outro lado, ele constitui um movimento religioso fundamentalista pelo fato de nutrir a certeza da verdade divina inquestionável do texto escriturístico, sem qualquer possibilidade de interpretação”. Mesmo que esse artigo não se proponha a analisar a relação entre grau de religiosidade e influência política dos pastores sobre os fiéis, o que mereceria uma pesquisa aprofundada parece-me inequívoca a ideia de que essa condição de pouca informação somada ao alto grau de exposição às autoridades religiosas facilitaria a manipulação política dos fiéis pelos líderes evangélicos. Tomando como exemplo a eleição presidencial de 2002, a maioria dos evangélicos afirmou ter votado em Garotinho (51,3%). Cerca de 31,4% votaram em Lula; 12,3% em José Serra e 3,4% em Ciro Gomes.

Favorecidos por fatores como a liberdade religiosa, o enfraquecimento do poder religioso da Igreja Católica e a redemocratização do Brasil, os pastores evangélicos têm aumentado sua participação no cenário político nacional. Devido ao alto grau de exposição dos fiéis a essas autoridades religiosas, é difícil descartar a ocorrência de manipulação política no âmbito das instituições evangélicas. Os fiéis fazem parte, portanto, de um eleitorado numericamente importante a ser conquistado.

 

Marcelo Ribeiro